O descanso do Guerreiro
Corria o ano da graça de 1975. Num domingo ensolarado, 23 de maio, logo depois do almoço, o garoto, com o coração na boca do estômago, pega a sua bandeirinha do Tricolor que sua mãe havia feito de forma artesanal, na outra mão o radinho de pilha, e dirige-se pela primeira vez ao Morumbi, para assistir ao vivo e em cores, o seu recentíssimo amor – São Paulo Futebol Clube - jogar contra o Palmeiras, já campeão do primeiro turno do Campeonato Paulista em que o Tricolor, além de sagrar-se campeão, fez até hoje a mais fantástica série invicta da história do Paulistão, com 39 partidas de invencibilidade.
O Tricolor vence de forma sensacional, com gol do verdugo Dom Pedrito Rocha, mas o garoto sai do estádio encantado com uma figura que vestia o manto de número 5 e que parecia um gigante dentro de campo. Tempos depois o garoto veio a saber que fora traído pela sua visão de criança que enxergou a altura do caráter daquele jogador e não sua estatura física verdadeira. Chicão era atarracado mas era baixo.
Francisco Jesuíno Avanzi, o Chicão! Meu primeiro ídolo Tricolor e personificação da raça e altivez dentro de campo.
Chicão encantava pela forma como se entregava dentro de campo, disputando a bola como se disputasse um prato de comida.
Em 1978, o garoto, já com seus 16 anos, viajou para Belo Horizonte e teve a honra e o prazer de ver uma das atuações individuais mais impressionantes de um jogador de futebol, que praticamente sozinho, no peito e na raça, comandou o Tricolor da conquista do seu título mais heróico e improvável da história, contra o sensacional e contagiante time do Atlético/MG, dentro de um Mineirão lotado pela massa atleticana.
Naquela tarde chuvosa de domingo, Chicão fez mais uma vez a moeda cair em pé e calou mais de cem mil pessoas, intimidando o jovem time do Galo e comandando de maneira espetacular o esforçado mas limitado time de guerreiros do Tricolor, na conquista do seu primeiro título brasileiro. A Taça do Brasil de 1977.
Em 1978, tendo o País se rendido à raça e valentia do guerreiro Tricolor, o garoto teve o prazer de ver seu ídolo na Copa do Mundo de seleções, ser escalado numa das maiores ‘fogueiras’ que pudesse ser enfrentada, para encarar, pela Seleção Brasileira, o time da Argentina, cujo atacante era o bad-boy, Luque, que apavorava e intimidava com sua catimba e violência, os seus infelizes marcadores.
Qual não foi a alegria do garoto quando Chicão, na primeira bola que disputou com Luque, recebeu uma peitada do valentão e, ao invés de se intimidar como esperava o argentino, deu-lhe um empurrão, enfiou o dedo na cara dele e transformou o lobo em cordeiro durante o restante todo da partida, comandando com sua tradicional valentia, o meio-de-campo do Brasil.
O garoto comemorou aquele lance como um gol. E foi verdadeiramente um gol de Chicão. Era assim que ele presenteava a torcida: com sua raça, sua valentia, sua altivez!
Chicão continuou encantando até 1979, quando foi ser ídolo no Atlético/MG que desde a perda do Brasileiro para o Tricolor, estabeleceu uma relação de ódio (inicial) e amor, com o nosso eterno Chicão.
Hoje aquele garoto, disfarçado em um senhor de meia-idade, recebe a notícia que seu grande e primeiro ídolo foi vencido em sua última batalha.
O garoto voltou no tempo e chorou por um momento, mas ao escrever esse texto, seu coração novamente se alegra, pois vai guardar de Chicão, as doces lembranças de quando seus heróis enfrentavam os alemães e seus canhões e enchiam seu coração de alegria.
Fique com Deus.
Descanse em paz, Guerreiro!
Francisco Jesuíno Avanzi (Chicão) – volante – 1973/1979Jogos pelo Tricolor – 312 (142 vitórias, 111 empates 59 derrotas) Gols marcados - 19
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